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Escrito por
Márisson Fraga
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No início do século XX, muitos intelectuais e colecionadores de folclore acreditavam que a modernidade estava gradualmente extinguindo as tradições rurais, e Helen Creighton emergiu como uma das principais figuras dessa busca pela autenticidade folk em Nova Scotia. Conforme Ian McKay argumenta em The Quest of the Folk: Antimodernism and Cultural Selection in Twentieth-Century Nova Scotia, a exploração de Creighton pelo "folk" não era um movimento isolado, mas parte de um padrão cultural mais amplo que resistia à modernização e via as tradições rurais como algo que precisava ser protegido da extinção.
Na década de 1920, outros estudiosos e autores como Beatrice Hay Shaw já demonstravam preocupações com a preservação do folclore. Em suas publicações, Hay Shaw alertava para o impacto negativo da modernidade nas tradições rurais, exaltando a diversidade cultural de Nova Scotia, com atenção especial para as comunidades indígenas e negras. Contudo, McKay aponta que essa defesa do folclore frequentemente trazia uma atitude elitista, comum entre os acadêmicos da época, que classificavam e hierarquizavam as tradições com base em sua própria perspectiva.
A busca de Creighton pelo folclore autêntico começou de forma marcante em Devil’s Island, no final da década de 1920. Embora o relato de sua visita à ilha varie entre as fontes — Creighton afirma que foi em 1928, enquanto McKay sugere 1929 —, esse evento é frequentemente tratado como o ponto de partida de sua carreira como coletora de folclore. Em sua autobiografia A Life in Folklore, ela narra essa visita como uma experiência quase mítica, descrevendo os moradores da ilha como personagens saídos de outro mundo, embora estejam localizados a uma curta distância da costa.
Essas narrativas idealizadas, no entanto, são desafiadas pela incerteza em torno de certos detalhes históricos. O biógrafo oficial de Creighton, Clary Croft, por exemplo, erra ao identificar algumas figuras locais, como Jennie Faulkner, esposa de um dos guardiões do farol, ao longo de sua pesquisa. Esses deslizes levantam questões sobre a autenticidade de muitas das histórias e personagens que Creighton trouxe ao público, e sobre até que ponto os próprios moradores locais tiveram suas vozes apagadas ou modificadas nessas narrativas.
A coleção Bluenose Ghosts de Creighton, publicada posteriormente, tornou-se uma referência para as histórias sobrenaturais de Nova Scotia, com vários contos de fantasmas e eventos misteriosos que ela alegava ter ouvido dos residentes locais. No entanto, uma investigação mais profunda sobre alguns desses relatos revela uma verdade diferente. Por exemplo, um trágico incidente envolvendo a morte de um pescador chamado Henry Henneberry e sua filha foi transformado por Creighton em uma narrativa sobrenatural. Na realidade, Henry morreu em um acidente de pesca em 1914, e sua filha e esposa faleceram de doenças dois anos depois, vítimas das duras condições de vida da ilha e da falta de cuidados médicos.
Esses relatos não apenas romantizam a vida rural de Nova Scotia, mas também reforçam a visão de Creighton de que a modernidade era uma ameaça ao folclore autêntico. Essa visão, entretanto, ignorava as reais dificuldades enfrentadas pelas comunidades rurais, como a pobreza extrema. Quando Creighton viajou para a região de Antigonish, por exemplo, ela ficou chocada com as condições de vida dos moradores, mas em vez de explorar os problemas sociais que eles enfrentavam, ela preferiu se concentrar nas celebrações folclóricas, como uma festa de casamento onde um tocador de gaita de fole se apresentava.
McKay também destaca como Creighton romantizou comunidades inteiras, muitas vezes sem considerar as mudanças que a modernidade poderia trazer para aliviar o sofrimento dessas pessoas. Ela via o progresso como um inimigo do folclore e acreditava que os trabalhadores que lutavam por melhores salários estavam, de certa forma, destruindo o espírito comunitário que ela tanto prezava.
Em resumo, a busca de Helen Creighton pela autenticidade folk em Nova Scotia exemplifica um dilema maior de como as tradições culturais são muitas vezes idealizadas e moldadas pelos colecionadores que as documentam. Sua obra, embora influente e fundamental para a preservação do folclore da região, também apresenta uma visão unilateral e romantizada de um povo cuja vida real era marcada por pobreza e isolamento. Isso levanta uma questão fundamental: até que ponto o folclore pode ser preservado sem perder sua conexão com as realidades sociais das comunidades que o praticam?
A obra de Creighton, juntamente com as críticas levantadas por McKay, nos força a refletir sobre a tensão entre modernidade e tradição, e como o folclore pode ser tanto um símbolo de identidade cultural quanto um campo de disputa sobre como essas identidades são representadas e interpretadas ao longo do tempo.
Referência:
Matéria escrita a partir do trabalho acadêmico “Houses Still Standing”: Modernity, Myth and Memory on Nova Scotia’s Devil’s Island, por Julien Sheppard (Abril, 2021)
Written from academic work “Houses Still Standing”: Modernity, Myth and Memory on Nova Scotia’s Devil’s Island, by Julien Sheppard (2021, April)
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Psicanalista, graduado em Ciências Contábeis, Estudante de Psicologia, Pós-Graduado em (1) Neuropsicologia; (2) Antropologia e (3) Mitologia Criativa. Escravizado por Livros. Expulso do Paraíso por buscar incansavelmente o Fruto do Conhecimento. Possui uma relação simbiótica com o medo!
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