A Ilha do Diabo: Tradição, Mitos e Comunidade na Nova Escócia

A história de Nova Escócia - ilha repleta de histórias de assombrações de lendas - é profundamente marcada por suas raízes na pesca e nas tradições do “folk”, que foram hábilmente reinterpretadas para fins turísticos. Em particular, a imagem dos pescadores resistentes, vivendo ao longo das costeiras ventosas, tornou-se um símbolo eterno da província. Esse mito foi amplamente promovido pela folclorista Helen Creighton, que dedicou sua vida a coletar lendas populares dessas comunidades. No entanto, essa versão do "folk" foi cuidadosamente editada para ocultar as realidades mais duras da vida desses pescadores: a pobreza, os salários inconsistentes e o trabalho físico extenuante que se estendia até a velhice.


Um dos locais que se tornaria central no trabalho de Creighton foi Devil’s Island, uma pequena e isolada ilha na costa de Halifax, outrora habitada por um pouco mais de 75 pessoas. A ilha, que abrigava uma vibrante comunidade de pescadores, lentamente se tornou um "vilarejo fantasma", à medida que seus residentes foram deslocados nas décadas de 1940 e 1950. Embora o nome "Devil’s Island" sugira mistérios e eventos sobrenaturais, os antigos moradores lembram a ilha por sua comunidade unida e pelas memórias felizes de uma vida simples e tradicional, ainda que cheia de desafios.

Creighton ajudou a perpetuar a imagem romântica dos pescadores de Devil’s Island, incorporando canções folclóricas coletadas de cantores locais em suas publicações, como "Songs and Ballads from Nova Scotia". No entanto, ela evitou as duras realidades de mortalidade elevada e de famílias que dependiam de trabalhos perigosos para sobreviver. Ao longo dos anos, a história da ilha foi obscurecida, com poucas pesquisas acadêmicas modernas sobre o local, apesar de sua importância cultural.

A análise da memória coletiva da ilha, baseada nas teorias de Maurice Halbwachs e Pierre Nora, revela uma narrativa complexa. Enquanto a ausência de vestígios arqueológicos indica que os povos indígenas Mi’kmaq não se estabeleceram ali, Devil’s Island é, sem dúvida, uma parte do território não cedido desses povos. Essa lacuna histórica permite que a narrativa europeia do "folk" prevaleça, sem a desconfortável questão do colonialismo.


Embora poucos relatos completos de Devil’s Island tenham sido escritos, uma das melhores fontes é o livro Historic Eastern Passage, de John Boileau, que explora a história da ilha desde suas primeiras concessões de terra em 1711 até sua eventual desertificação. As lendas locais sobre a origem do nome da ilha, como histórias de caçadores encalhados e ataques de homens misteriosos, reforçam o fascínio pelo local, mesmo que os relatos sejam mais lendários do que factuais.

A verdadeira história de Devil’s Island, porém, reside nas memórias de seus antigos moradores, como Sister Sadie Henneberry, que escreveu com carinho sobre a comunidade que floresceu na ilha. Para muitos, a perda da ilha foi a perda de uma forma de vida única, marcada pela resiliência, solidariedade e uma profunda conexão com o mar.

Devil’s Island pode não ter sido o "lar do diabo", como sugere seu nome, mas certamente foi o lar de uma comunidade determinada e unida, que sobreviveu às tempestades tanto do mar quanto da vida cotidiana.


Referência:

Matéria escrita a partir do trabalho acadêmico “Houses Still Standing”: Modernity, Myth and Memory on Nova Scotia’s Devil’s Island, por Julien Sheppard (Abril, 2021)

Written from academic work “Houses Still Standing”: Modernity, Myth and Memory on Nova Scotia’s Devil’s Island, by Julien Sheppard (2021, April)



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