Os Sonâmbulos: a suposta lenda que inspirou monstros em um clássico de Stephen King

Entre as sombras das lendas populares e os pesadelos forjados pela ficção moderna, há uma criatura pouco lembrada, mas profundamente enraizada no imaginário sobrenatural: o sonâmbulo. Muito além da condição clínica que conhecemos, a figura mítica do sonâmbulo é envolta em segredos, terror e sedução noturna. Em 1992, Stephen King recuperou essa lenda esquecida no filme “Sleepwalkers”, dirigido por Mick Garris, transformando-a em um conto sombrio e bizarro que mescla horror clássico com monstros inventivos. Mas o que está por trás da lenda original?


A origem mítica dos sonâmbulos

A palavra “sonâmbulo” deriva do latim somnus (sono) e ambulare (andar), referindo-se originalmente a indivíduos que caminham dormindo. No entanto, em mitos antigos e folclores fragmentados, surgem referências a seres que vagam à noite — nem vivos, nem mortos — à procura de energia vital. Em algumas versões, essas criaturas eram humanos amaldiçoados, transformados em parasitas noturnos.

Nos registros folclóricos, o sonâmbulo mítico tinha uma natureza ambígua — nem totalmente maligna, nem completamente consciente de seus atos. Essa dualidade o distinguia do vampiro tradicional, mas mantinha um vínculo simbólico: a noite como tempo do instinto, da fome e da transgressão.

A versão de Stephen King

Foi com base nessa ideia ancestral que Stephen King criou os “Sleepwalkers” — criaturas metamórficas, felinas e incestuosas, que se alimentam da energia vital de virgens humanas. No universo do filme, eles são os últimos de sua espécie e vivem se escondendo da humanidade e dos gatos comuns, seus arqui-inimigos naturais.

A trama gira em torno de Charles e Mary Brady, mãe e filho que se apresentam como humanos comuns em uma pequena cidade, mas que na verdade são criaturas milenares e assassinas. A figura do sonâmbulo é reinterpretada como uma espécie de vampiro psíquico, que precisa da juventude e da inocência para sobreviver.

A enciclopédia que nunca existiu

Para dar mais densidade à narrativa, o roteiro do filme menciona a fictícia "Chillicoathe Encyclopedia of Arcane Knowledge", uma enciclopédia ocultista supostamente responsável por documentar criaturas sobrenaturais desaparecidas ou pouco conhecidas. Esse recurso, clássico na literatura de horror e fantasia, tem como função criar um falso respaldo histórico ou acadêmico para o que está sendo contado, conferindo verossimilhança à lenda reinventada.

A escolha por um nome que remete a uma cidade real e um tom enciclopédico é estratégica: ela aproxima o espectador da sensação de que aquela história tem raízes “reais”, algo documentado e soterrado por séculos de esquecimento. O mesmo artifício foi usado por H.P. Lovecraft, com seu famoso Necronomicon, e por autores contemporâneos que criam mitologias internas para seus universos ficcionais.

Sonâmbulos, vampiros e o medo noturno

No fundo, tanto os sonâmbulos quanto os vampiros representam o medo da noite como domínio do irracional. São símbolos dos impulsos incontroláveis, do desejo, do desconhecido que habita dentro de nós. O sonâmbulo caminha dormindo, mas talvez não seja o único que o faz — nossas angústias, memórias e traumas também se levantam enquanto dormimos.

O filme “Sleepwalkers” atualiza essa lenda com toques grotescos e psicológicos, explorando temas como o incesto, a sedução e o isolamento, mas também homenageando o folclore ancestral que King tanto respeita.

Conclusão

A lenda dos sonâmbulos é um lembrete de que muitas criaturas do horror moderno têm raízes em mitos esquecidos, às vezes mais perturbadores do que os próprios monstros da ficção. E mesmo quando não encontramos registros históricos “oficiais”, a persistência desses temas no cinema, na literatura e na cultura oral demonstra o quanto precisamos dos monstros para entender nossos próprios medos.

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